A campainha toca e ele, sabendo que seria
ela, corre até a porta e ao abri-la treme da cabeça aos pés, mesmo a tendo
visto há poucos dias, não conseguia entender de onde vinha tanta beleza, ela
estava com os lindos cabelos pretos soltos, um vestido longo, também preto, a
correntinha que já tinha virado quase uma marca de nascença, pequenas argolas
de prata e um sapato não muito alto em um tom um pouco escuro, os olhos
brilhavam como se fosse a primeira vez que os vissem, com aquela intensidade
que o provocava, que o tirava completamente do sério, sem que ela precisasse
dizer nenhuma palavra ele já era tomado pelo desejo, pela ânsia de abraçá-la,
beijá-la, acariciá-la, enfim, apenas o seu olhar já tinha um poder devastador,
quase hipnótico sobre ele.
E ela sabia do seu vício, sim, um vício,
ele era viciado nas mulheres, e ela o conhecia há muito tempo, foi sua amiga,
sua confidente, hoje era sua amante, só se encontravam única e exclusivamente
para o sexo, mas isso por que a satisfazia, ele era carinhoso e sabia como uma
mulher gostava de ser tratada, ele buscava apenas satisfazer mais um vício, não
conseguia ficar um dia que fosse sem sentir o perfume feminino, colecionava
corações e mesmo assim vivia numa solidão inimaginável, era um sozinho em meio
a uma multidão, como ele mesmo gostava de definir.
Ela continuava parada em meio à porta,
olhava atentamente para ele e continuava destilando aquele olhar que o deixava
completamente maluco, e fazia de propósito, como todas as mulheres. Ele já a
esperava, portanto já havia preparado tudo, jantar, velas, um incenso e a cama,
estava tudo meticulosamente aprontado, como se ela fosse a mulher da sua vida e
aquela a última noite, com a perfeição que já era característica, outra coisa
que ela amava nele, nunca estava desprevenido, sempre tinha um carta na manga,
uma palavra ou frase de efeito que, mesmo às vezes sendo um velho clichê, a
deixava sem palavras, sempre tinha uma surpresa “por isso me apaixonei por
você”, ela dizia, “por isso fiz você se apaixonar por mim” ele completava, com
um suave desdém, enquanto olhava para ela.
Os dois eram de uma simetria ímpar, com
trejeitos e gestos próprios, se completavam de uma maneira assustadora, porém
ambos sabiam que seria, como sempre, “só por uma noite”, uma noite a mais que
seria somada as muitas que já tiveram, uma aventura a mais em meio as milhões
que ambos já tiveram, mais um momento, mais um prazer.
Ela entra, ele cuidadosamente puxa a
cadeira da mesa assustadoramente arrumada, dois pratos, uma vela, duas taças,
um jantar, ainda quente, já servido, era tudo de um requinte sem igual, como se
soubesse cada passo que ela daria e perfeitamente o que ela queria, essa era sua
marca, não se dispunha a fazer nada se não fosse perfeito, ela senta, ele pergunta
como foi seu dia, cumprindo uma mera formalidade que ambos sabiam ser parte do
protocolo, pequenos detalhes da história que todos já sabiam o final, ele
responde com um simples “normal, a velha rotina”, ela ri, e diz “rotina,
odiamos ser escravos dela, mas sem ela nos perdemos completamente”, ele
concorda com um leve aceno de cabeça enquanto serve o jantar.
Conversas frívolas seguem na temática
durante a ceia, depois tomam mais uma taça de vinho enquanto assistem a um show
qualquer na televisão, isso não importa, pois logo a TV vira apenas um
artifício para deixar o quarto a meia luz, e rapidamente estão no palco, a
cama, onde realmente se entendem, toda essa introdução para o verdadeiro
motivo, o real ensejo da noite, urros, sussurros, tapas, gritos, tudo se
mistura em meio aquela que mais parece uma dança, festejando o desejo,
cultuando o prazer.
Ela vai embora, mas não sem antes olhar
para ele e dizer “tudo perfeito, como sempre”, ele toma mais uma taça de vinho
enquanto observa maravilhado ela ainda despida caminhar até o banheiro, em
poucos minutos o quarto estará vazio novamente, será só ele e a solidão de
sempre, sua companheira.
Ela está apaixonada, ele a ama, mas as
regras e a monotonia que giram em torno de um relacionamento os deixam cada vez
mais felizes com esse jeito, esse novo estilo de relacionamento, podem se
apaixonar, até amar outras pessoas, mas nunca esquecerão um do outro.
Como um viciado ele suportará no máximo
alguns dias, depois estará novamente procurando-a ou se deixando encontrar,
novamente provando desse veneno que o deixou viciado, a lascívia, a paixão, o
sexo, o amor, esse sentimento que é mais nocivo que muitas drogas lícitas ou ilícitas,
tem uma das mais torturantes abstinências, conhecida como saudade, e um dos
maiores efeitos colaterais que é a solidão, e sem dúvida alguma tem a cura mais
difícil de todos os vícios.
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Com esse "conto" inicio uma nova
categoria aqui no Sei Pensar, os contos, tenho alguns esboços e ideias, assim
com a falta de assuntos posso manter o blog atualizado. Espero que gostem.
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