quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Amor e outros vicios


A campainha toca e ele, sabendo que seria ela, corre até a porta e ao abri-la treme da cabeça aos pés, mesmo a tendo visto há poucos dias, não conseguia entender de onde vinha tanta beleza, ela estava com os lindos cabelos pretos soltos, um vestido longo, também preto, a correntinha que já tinha virado quase uma marca de nascença, pequenas argolas de prata e um sapato não muito alto em um tom um pouco escuro, os olhos brilhavam como se fosse a primeira vez que os vissem, com aquela intensidade que o provocava, que o tirava completamente do sério, sem que ela precisasse dizer nenhuma palavra ele já era tomado pelo desejo, pela ânsia de abraçá-la, beijá-la, acariciá-la, enfim, apenas o seu olhar já tinha um poder devastador, quase hipnótico sobre ele.

E ela sabia do seu vício, sim, um vício, ele era viciado nas mulheres, e ela o conhecia há muito tempo, foi sua amiga, sua confidente, hoje era sua amante, só se encontravam única e exclusivamente para o sexo, mas isso por que a satisfazia, ele era carinhoso e sabia como uma mulher gostava de ser tratada, ele buscava apenas satisfazer mais um vício, não conseguia ficar um dia que fosse sem sentir o perfume feminino, colecionava corações e mesmo assim vivia numa solidão inimaginável, era um sozinho em meio a uma multidão, como ele mesmo gostava de definir.

Ela continuava parada em meio à porta, olhava atentamente para ele e continuava destilando aquele olhar que o deixava completamente maluco, e fazia de propósito, como todas as mulheres. Ele já a esperava, portanto já havia preparado tudo, jantar, velas, um incenso e a cama, estava tudo meticulosamente aprontado, como se ela fosse a mulher da sua vida e aquela a última noite, com a perfeição que já era característica, outra coisa que ela amava nele, nunca estava desprevenido, sempre tinha um carta na manga, uma palavra ou frase de efeito que, mesmo às vezes sendo um velho clichê, a deixava sem palavras, sempre tinha uma surpresa “por isso me apaixonei por você”, ela dizia, “por isso fiz você se apaixonar por mim” ele completava, com um suave desdém, enquanto olhava para ela.

Os dois eram de uma simetria ímpar, com trejeitos e gestos próprios, se completavam de uma maneira assustadora, porém ambos sabiam que seria, como sempre, “só por uma noite”, uma noite a mais que seria somada as muitas que já tiveram, uma aventura a mais em meio as milhões que ambos já tiveram, mais um momento, mais um prazer.

Ela entra, ele cuidadosamente puxa a cadeira da mesa assustadoramente arrumada, dois pratos, uma vela, duas taças, um jantar, ainda quente, já servido, era tudo de um requinte sem igual, como se soubesse cada passo que ela daria e perfeitamente o que ela queria, essa era sua marca, não se dispunha a fazer nada se não fosse perfeito, ela senta, ele pergunta como foi seu dia, cumprindo uma mera formalidade que ambos sabiam ser parte do protocolo, pequenos detalhes da história que todos já sabiam o final, ele responde com um simples “normal, a velha rotina”, ela ri, e diz “rotina, odiamos ser escravos dela, mas sem ela nos perdemos completamente”, ele concorda com um leve aceno de cabeça enquanto serve o jantar.

Conversas frívolas seguem na temática durante a ceia, depois tomam mais uma taça de vinho enquanto assistem a um show qualquer na televisão, isso não importa, pois logo a TV vira apenas um artifício para deixar o quarto a meia luz, e rapidamente estão no palco, a cama, onde realmente se entendem, toda essa introdução para o verdadeiro motivo, o real ensejo da noite, urros, sussurros, tapas, gritos, tudo se mistura em meio aquela que mais parece uma dança, festejando o desejo, cultuando o prazer.

Ela vai embora, mas não sem antes olhar para ele e dizer “tudo perfeito, como sempre”, ele toma mais uma taça de vinho enquanto observa maravilhado ela ainda despida caminhar até o banheiro, em poucos minutos o quarto estará vazio novamente, será só ele e a solidão de sempre, sua companheira. 

Ela está apaixonada, ele a ama, mas as regras e a monotonia que giram em torno de um relacionamento os deixam cada vez mais felizes com esse jeito, esse novo estilo de relacionamento, podem se apaixonar, até amar outras pessoas, mas nunca esquecerão um do outro.

Como um viciado ele suportará no máximo alguns dias, depois estará novamente procurando-a ou se deixando encontrar, novamente provando desse veneno que o deixou viciado, a lascívia, a paixão, o sexo, o amor, esse sentimento que é mais nocivo que muitas drogas lícitas ou ilícitas, tem uma das mais torturantes abstinências, conhecida como saudade, e um dos maiores efeitos colaterais que é a solidão, e sem dúvida alguma tem a cura mais difícil de todos os vícios.

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Com esse "conto" inicio uma nova categoria aqui no Sei Pensar, os contos, tenho alguns esboços e ideias, assim com a falta de assuntos posso manter o blog atualizado. Espero que gostem.


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